A avó Eglantina
![](http://photos1.blogger.com/blogger/3043/1546/320/clip_image002.jpg)
Apaixonei-me pela minha bisavó na montra de um papelaria do meu bairro.
Celeste, acho que era o nome. Da papelaria, claro: a minha bisavó chamava-se Eglantina, estava de pé, muito direita, metida num longo vestido preto com gola branca, segurando as rédeas de uma carrocinha castanha, diante de um campo de trigo, com ar de quem acabou de dizer para o meu bisavô: — São horas da ceifa, Januário.
Fiquei muito tempo a olhar para ela, pensando por que razão não estava o meu bisavô a seu lado, no postal. Afazeres, decerto: os bisavôs são gente de muito trabalho. De repente pareceu-me vê-la a piscar-me o olho, mas rapidamente me dei conta do engano: bisavó que se preza não anda neste mundo a piscar o olho à primeira bisneta que lhe aparece pela frente.
Em casa, disse à minha mãe:
— Há um retrato da bisavó Eglantina na montra da Papelaria Celeste. Está diante de um campo de trigo, cheia de saudades minhas.
— Há um retrato da bisavó Eglantina na montra da Papelaria Celeste. Está diante de um campo de trigo, cheia de saudades minhas.
A minha mãe engasgou-se, tossiu, recompôs-se e disse:
— A tua bisavó chamava-se Maria das Dores, e o único campo que conheceu era o quintal onde estendia a roupa.
— A tua bisavó chamava-se Maria das Dores, e o único campo que conheceu era o quintal onde estendia a roupa.
O meu pai, sempre económico com as palavras, disse:
— A tua bisavó morreu há tantos anos que nem me lembro do nome.
— A tua bisavó morreu há tantos anos que nem me lembro do nome.
Bisneta honrada não tem ouvidos. Trinquei um gomo de laranja, e disse:
— A minha bisavó chama-se Eglantina, e vai ficar em cima da minha mesa-de-cabeceira. O meu quarto é grande, e uma bisavó ocupa pouco espaço. Além de que uma bisavó faz sempre muito jeito numa casa.
— A minha bisavó chama-se Eglantina, e vai ficar em cima da minha mesa-de-cabeceira. O meu quarto é grande, e uma bisavó ocupa pouco espaço. Além de que uma bisavó faz sempre muito jeito numa casa.
- Ainda tens pouca tralha no teu quarto... — disse a minha mãe.
—Mania das grandezas... Para que quererás tu uma bisavó, não me dizes? — resmungou o meu pai.
—Mania das grandezas... Para que quererás tu uma bisavó, não me dizes? — resmungou o meu pai.
Bisneta honrada não tem ouvidos. No dia seguinte a minha bisavó Eglantina, no seu vestido preto de gola branca, guiou a carrocinha pelo campo de trigo fora, em direcção à moldura da minha mesa de cabeceira.
Quando o sono custa a chegar, olho para ela e ela lá está, muito direita, com ar de quem acabou de dizer: "são horas da ceifa, Januário". E enquanto espero que o meu bisavô se resolva finalmente a entrar para dentro do retrato, sorrio-lhe e adormeço.
Alice Vieira
Uma belissima história para ler à minha filha logo à noite. Não conhecia e por momentos pensei que seria teu :-)
Já agora visita este site:
http://www.historiadodia.pt/pt/index.aspx
Entrou no mundo dos sonhos pela mão da bisavó Eglantina...Percorria agora o mesmo campo de trigo e o sol que brilhava no rosto da "bisa" (assim aprendeu a chamar-lhe)queimava-lhe também a cara.
"- Bisa! Onde está o avô?"...
Ana Santos
E ela respondeu:
«A avó foi com o Coelhinho e o Palhaço no comboio ao circo!» :-)
Desculpa Ana a brincadeira mas achei que merecia!!
vai até onde te levar a imaginação :-)