quarta-feira, maio 05, 2010

Teu só sossego aqui contigo ausente


Teu só sossego aqui contigo ausente
Na casa que te veste à justa de paredes,
Tenho-te em móveis, nos perfumes, na semente
Dos cuidados que deixas ao partir,
A doce estância toda povoada
Dos mínimos sinais, dos sapatos de plinto
Que te elevam, Terpsícore ou Mnemósine,
Como uma estátua fiel ao labirinto.

Aqui, androceu da flor, o cálice abre aromas,
Farmácia chamo à tua colecção de vidros
Onde, à margem de planos e de somas,
Tenho remédio para os meus alvidros.

O chá é forte e adstringente,
O leite grosso sabe à ordenha,
E até nos quadros vive gente
À espera que a dona venha.

Porque tudo nos tectos é coroa,
No chão as traînes, os passinhos salpicados
Como o vento ainda longe de Lisboa
Escolheu a gaivota do balanço
Que no cais engolfado melhor voa:

Um vácuo, enfim, que o não será — tão logo
Chegues no ar medido e a aço propulso:

Por isso um pouco de fogo
Bate sanguíneo em meu pulso,
Pois o amor de quem espera
É uma graça a vencer.
Uma casa sem hera
É como gente sem viver.
Vitorino Nemésio, in "Caderno de Caligraphia e outros Poemas a Marga"

quinta-feira, abril 23, 2009

Depois da separação, o encontro


Vida e Sentido. Sentidos. Dúvidas. Abstracção. Adiamento. No meio de dias apressados e de contemplação do chronos, muitas são as razões para nos afastarmos de pessoas, de ruas, de músicas, de perfumes e de blogues.
Faz parte da natureza humana carregarmo-nos de memórias e de associações, que ora nos fazem saltar de alegria, ora evocam aquilo que na nossa vida correu menos bem.
Passaram quase três anos desde a última vez que escrevi neste blogue. Ficaria bem dizer que foram tempos de enriquecimento após metódica procura do eu, mas não. Os leitores que este blogue ainda terá não merecem o engano.
Foram tempos, sim, de vivência e observação no mundo. Das pessoas. Das coisas. Paragens para o espírito, paragens para a alma, paragens para aquilo que de mais material existe.
É nessas paragens que melhor viajo. Que melhor me encontro e encontro as razões das coisas. Se me permitirem, proponho-vos novas paragens nesta alquimia do tempo. O espaço está reaberto.

domingo, julho 02, 2006

Soneto da Separação

Vinicius de Moraes

De repente do riso fez-se o pranto

Silêncioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

terça-feira, junho 13, 2006

Fernando Pessoa e Fernando de Bulhões
























Hoje comemora-se 118 anos sobre o nascimento de Fernando Pessoa, assim chamado por nascer no dia de outro célebre Fernando lisboeta, o santificado António.

Mais uma vez me emocionei ao receber do Brasil mais um poema de Fernando Pessoa, pela mão de um amigo que entende a lusitaneidade como a sua origem e destino.

Este é um poema que qualquer um gostaria de ter escrito e com o qual se identifica, como uma essência humana.

Se depois de eu morrer

Se depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,
Não há nada mais simples
Tem só duas datas - a da minha nascença e a da minha morte.

Entre uma e outra cousa todos os dias são meus.

Sou fácil de definir.
Vi como um danado.
Amei as cousas sem sentimentalidade nenhuma.
Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei.
Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver.
Compreendi que as cousas são reais e todas diferentes umas das outras;
Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento.
Compreender isto corri o pensamento seria achá-las todas iguais.

Um dia deu-me o sono como a qualquer criança.

Fechei os olhos e dormi.

Além disso, fui o único poeta da Natureza.

Fernando Pessoa - Alberto Caeiro

quarta-feira, abril 26, 2006

Janelas e Guilhotinas

Depois de algumas semanas de desinspirada ausência, escrevo sobre guilhotinas.

E nestas podemos pôr a cabeça debaixo com alguma segurança...

Os franceses, pelo sim, pelo não, ainda as têm como janelas non gratas na arquitectura... cada um que conviva o melhor que puder com o seu passado...

Falo hoje de janelas de guilhotina. Digo falo porque o que aqui deposito são meras impressões, curiosidades, em jeito de conversa, resultado dela, com seres que vieram ao mundo para torná-lo mais belo, com uma linguagem própria que poucos entedem.

Estamos habituados a vê-las com duas folhas, que encontramos um pouco por todo o lado, em palácios, palacetes, eléctricos de lisboa, etc. Normalmente com caixilharia recticulada de múltiplos vidros, em que uma das folhas abre correndo para cima, na vertical, segurando-se em borboletas suspensas nas laterais.

Descobri há uns dias umas janelas de 3 folhas numa casa quase em escombros num passeio na Cidade da Neve e soube por fonte fidedigna que existem nas Ilhas dos Açores com muita frequência, especialmente em São Jorge e na Horta.

Fica um conto de Aníbal Albuquerque em homenagem a estas janelas...


A mulher e a janela


"Aquela janela era agora o seu limitado horizonte. Seu único contato com o mundo exterior. As folhas de madeira abertas durante o dia, fechadas à noite, quando passa da cadeira para a cama.

Uma guilhotina está no alto há muito tempo, talvez nem mais seja possível fazê-la descer. No inverno, a outra guilhotina é descida e só pode observar a árvore e o céu através dos vidros. No verão, como agora, os vidros encaixilhados permanecem no alto e a parte inferior fica livre para a entrada do ar. Às vezes, até mesmo de um beija-flor multicor, para sua alegria.


Era uma bela janela. O batente espesso, os caixilhos escuros, os vidros translúcidos, porém, coloridos na bandeirola fixa. Podia fechar os olhos que a janela ficava ali na sua mente com todos os detalhes. Cada guilhotina com seus dezesseis vidros retangulares. Lembrava-se, perfeitamente, quando seu pai chegou com ela e suas três irmãs gêmeas. Duas estão na sala e a outra no quarto que fora de seus pais. Aquela ali era a sua janela.


Ela chegara sem os vidros. O carpinteiro montou-a com todo o cuidado, numa manhã de sábado. Seu pai experimentou várias vezes as duas guilhotinas. Corriam bem nos montantes. O vidraceiro só viria na segunda-feira. Por duas noites, as folhas permaneceram fechadas, desde cedo, pois não havia vidros nos caixilhos. Quando a janela ficou pronta, ela menina sorrira de satisfação. Não imaginava que agora ficaria tantas horas, unicamente, em companhia dela.


Por ela passara também seu único amor, naquela noite distante, quando seu pai estava de viagem a São João da Boa Vista, por motivo de grave doença do avô. Estiveram os dois nos braços um do outro, felizes, naqueles momentos inesquecíveis. Olhando por ela, esperara, tantas vezes ansiosa, a chegada do alazão, trazendo seu namorado. Junto a ela bordara quase todo o seu enxoval de noiva apaixonada. Debruçada nela, chorara a morte estúpida do amado, por questão de política, três dias antes do casamento.


Olhando para ela, agora, sabe que sua querida janela conhece todos os seus segredos. Sente não mais poder limpar seus vidros, nem dar brilho a suas partes de madeira. A empregada faz o serviço com perfeição, mas sem o carinho seu. Quando a orienta, sentada em sua cadeira de rodas, gostaria de substituir suas mãos, para que pudesse acariciar sua janela em todos os seus pontos tão conhecidos.


Emoldurada por ela, apenas a árvore ressequida, tão seca quanto sua alma, nesta vida de inválida. O livro em seu colo está aberto, mas seu coração, há tanto tempo fechado, não recebe mais emoções, que o pudessem fazer vibrar e ter esperança. Restam apenas recordações e saudades, esmaecidas pelo tempo."

Aníbal Albuquerque

Para Scheilla

1999



quinta-feira, abril 20, 2006

Pecado

Publico hoje um poema do meu irmão. É o amor aos 17, o número de Portugal.
PECADO

Sofrimento…sentimento que governa a nossa vida e nos dá aquilo pelo qual lutamos toda a vida…sentimento que dá razão ao nosso objectivo de vida…que nos dá a razão pela qual passamos maior parte da nossa vida à procura da nossa razão de viver…a razão para continuar…
Ás vezes…mesmo que pensemos o contrário…nós fugimos de nós mesmos…fugimos daquilo que temos medo de alcançar…que não compreendemos…a verdade é que passamos toda a nossa vida a fugir…e quando queremos voltar a tentar…já não há saída possível…
Eu fujo…eu fujo com o medo de não conseguir o possível…de não compreender o que me espera…fujo pelo medo…de todas as minhas crenças e fantasias se dissipem no fino ar que me rodeia…que todas as minhas formas e sentidos desapareçam com o tempo que passa…
Eu fujo pois não quero que o tempo passe…quero ficar para sempre perdido no presente que me faz sentir tão bem…quero ficar no presente que tanto demorei a construir…quero ficar longe do futuro que me espera…do futuro que não planeei…do futuro que me esconde todos os objectivos que a vida me deu…eu fujo…porque tenho medo…
E se eu morrer…? Será que alguém notará…?

E se eu me perder…? Alguém me procurará…?

E se eu me sentir só…? Alguém virá…?

Se eu me sentir perdido…? Alguém virá ajudar-me a encontrar-me…?

Eu sangro por dentro e ninguém nota… meu coração perdeu-se e ninguém o encontra… ninguém o quer encontrar… já não sei se continuo…ou se me deixo ficar…que importa…? Ao menos a morte será mais meiga e doce do que a vida…e este será…
…o meu último e maior pecado…

domingo, abril 09, 2006

Lys

domingo, março 19, 2006

Baco, promete-me que não voltas a embebedar o Cupido...






















1850 - Drunken Bacchus and Cupid
Gérome

Oil on canvas 58 5/8 x 44 3/8 inches (149 x 113 cm)
Musée des Beaux-Arts, Bordeaux

...

LISTEN

sexta-feira, março 17, 2006

Na Rua do Alecrim


L tinha conhecido M no local de trabalho. M estava a ser apresentada aos colegas e quando chegou ao departamento onde L trabalhava, olhou-o nos olhos e durante largos segundos não conseguiu ver as pessoas que T lhe ia apresentando. Este olhar trazia promessas de algo. Uns tímidos e-mails foram o aperitivo para um relação de momentos intermitentes de felicidade e de intensidade que viveram durante uns meses.

L mudou de vida. "Aplaudia quem largava tudo e montava uma tenda na praia" e experimentou durante um ano um percurso idêntico. M continuou no seu trabalho rotineiro. Por vezes encontravam-se nos sitios mais bonitos da cidade, e prometiam abrir juntos uma tenda de sumos naturais ou uma empresa de jardinagem.

L gostava imenso da companhia de M. Riam-se e sentiam-se bem juntos. Num dia de chuva, M apareceu com uma mala pesada. L ofereceu-se para segurá-la enquanto passeavam pelo Chiado. A certa altura, entraram num tunel escuro de umas obras e L, dado a mesuras, deixou M passar primeiro.

M saiu sozinha do tunel e quando olhou para trás, não encontrou L. Atravessou a rua e tentou alcançar com os olhos a totalidade da multidão que caminhava apressada na rua. Em vão. Preocupada tentou telefonar a L. A telefonista apareceu. O número não estava atribuído. M estava pouco contente com a brincadeira. L. era brincalhão mas esta era demais... nunca lhe perdoaria. Correu em desespero à procura de L mas não encontrava nem sombras. Não estava preocupada com a mala mas começava a pensar que podia ter havido um rapto mesmo nas suas costas.

Exausta e desesperada com a dúvida pensou ir para casa. Foi no comboio a pensar que seria a última brincadeira que L lhe fizera. Não sabia como encará-lo. Tentou toda a noite telefonar-lhe mas em vão. Pensou as piores coisas de L e arrependeu-se do seu envolvimento com ele.

Não domiu nessa noite.

Com o romper da aurora, levantou-se à pressa e foi para o trabalho. Estava determinada a contar aquela história aos colegas na esperança que alguém lhe desse as respostas que ela não encontrava.

Começou a contar que tinha ido no dia anterior tomar um chá com L e que ele desaparecera de repente.

F perguntou-lhe: - Mas quem é o L? M corou e em desabafo contou que tinha tido uma relação com L durante uns meses e que continuavam a encontrar-se. F estava confusa: - Mas eu conheço-o?

M disse-lhe que L era o mesmo L que trabalhava junto da sua secretária. F olhava perplexa para M. Nunca vira a sua amiga tão confusa. Disse: - M, acalma-te. Nunca trabalhou cá nehum L., muito menos ao pé da minha secretária.

M. riu-se. Afinal a brincadeira estava a ir mais longe. Disse com ar sério: - Agora chega! Que ideia foi esta de brincarem comigo desta forma estúpida?

F. corou forte e começava a ficar preocupada. Embora não fossem amigas intimas, F tinha o maior respeito por M, que por vezes a ajudava em trabalho que queria despachar pela noite dentro. Olhou nos olhos da amiga e disse: - M, acho que precisas de te sentar. Bebe um copo de água.. Não sei como te dizer isto... mas nunca trabalhou cá L nenhum...

M sentiu o chão a desabar. Levou as mãos à cabeça e fixou o olhar no infinito...

quinta-feira, março 16, 2006

Os atlantes


Hoje, na abertura da exposição de escultura da Maria Morais, conheci o famoso escultor e poeta Lagoa Henriques, seu Mestre, que encantou com os seus 83 anos de sabedoria e presença.

O Mestre Lagoa Henriques foi aluno de Mestre Barata-Feyo e Dórdio Gomes e conviveu com Carlos Ramos. Hoje continua a ensinar na ESBAL. A minha profunda homenagem.

Sobre o Mestre escultor encontrei alguns textos como este e este. Um também sobre a dança.

Falámos sobre as cariátides (que tinha conversado com a Maria Morais há alguns dias) e o Mestre Lagoa Henriques adiantou que quando são figuras masculinas que sustentam os elementos arquitectónicos se chamam atlantes.
Quanto a Obras do Mestre, sendo célebre o seu Fernando Pessoa exposto na Brasileira do Chiado e o Túmulo de Fernando Pessoa nos Jerónimos, deixo aqui algumas obras que consegui encontrar na internet.


Fernando Pessoa - Exposto na Brasileira do Chiado

Elemento escultórico, intervenção plástica da autoria de Lagoa Henriques.Fotografia: Arnaldo Sousa.

Sem título, 1954 - Cimento pintado170 x 100 x 70 cm

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