terça-feira, outubro 11, 2005

Homenagem de Rabindranath Tagore a Xah Jahan


Tagore foi distinguido em 1913 com um Prémio Nobel da Literatura.
A sua obra é extensa e espraia-se quer pela Poesia como pela Prosa.
A Assírio e Alvim lançou em Junho de 2004, um compilação de poesia de Rabindranath (Senhor do Sol). Não encontrei na internet a tradução deste poema para português. Como é um dos meus preferidos: aqui têm!
Deixo aqui a homenagem que este poeta deixou ao sonhador Xah Jahan, imperador da dinastia Moghul que reinou a India de 1587 até 1752. O mesmo imperador que compôs na pedra uma sinfonia em homenagem eterna à sua Mumtaz - o Taj Mahal.
Gravura da Mumtaz
O Taj Mahal foi construído com materiais de toda a Índia e da restante Ásia. Mais de 1,000 elefantes foram utilizados para transportar os materiais de construção. O mármore branco foi trazido do Rajastão, o jaspe do Punjab e jade e cristal da China. A turqueza foi trazida do Tibete e Lapis Lazuli do Afeganistão, enquanto as safiras vieram do Sri Lanka e a Carnelia da Arábia. Ao todo, foram utilizados 28 tipos de pedras preciosas e semi-preciosas, embutidas no mármore branco. A construção pesou ao erário régio 40 milhões de rupías, numa altura em que 1 grama de ouro era vendida por cerca de 1.3 rupías.

Xah-Jahan


Xah-Jahan

Tu sabias, Xah Jahan, imperador da Índia,
Que a vida, a juventude, a riqueza, o renome
Tudo se esfumará na corrente do tempo.
O teu único sonho
Era preservar eternamente a dor do teu coração.
O alto estrondo do poder imperial
Desvanecer-se-ia no sono
Como o esplendor carmesim do poente,
Mas tinhas a esperança
De que pelo menos um simples e eterno suspiro atormentasse o céu.
Embora as esmeraldas, os rubis, as pérolas sejam tudo
Excepto o brilho de um arco-iris adornando o ar
E morrendo,
Uma solitária lágrima
Ficaria suspensa na face do tempo
Sob a forma
Deste branco e cintilante Taj Mahal.

Ó coração humano
Tu não tens tempo
Para voltar a olhar para alguém,
Não tens tempo.
És conduzido pela rápida inundação
De aqui para ali, de terra para terra,
Carregando aqui,
Descarregando ali.
No teu jardim, os murmúrios do vento do Sul
Hão-de levar-te as trepadeiras madhabi
A encherem subitamente de flores o teu regaço trémulo –
As suas pétalas estão espalhadas na poeira do crepúsculo.
Não tens tempo –
Ergues-te do orvalho de outra noite
Com as frescas flores dos teus pequenos bosques,
O novo jasmim que
Veste com lágrimas de alegria a votiva bandeja
De uma estação tardía.
Ó coração humano,
Tudo o que acumulaste está por terra
Atirado para a beira do caminho no fim de cada noite e de cada dia.
Não tens tempo para voltar para trás,
Não tens tempo, não tens tempo.

Por isso, Imperador, desejavas,
Receando o esquecimento do teu próprio coração,
Conquistar o coração do tempo
Com a beleza.
Que maravilhosas são as vestes imortais
Com as quais vestiste
A informe morte – como estava coroada!
Não podias manter
Para sempre a tua dor, por isso enredaste
O teu interminável pranto
Em feixes de silenciosa perenidade.

Os homens que suavemente
Sussuraste ao teu amor
Em noites de luar em secretos aposentos
Estão aqui
Como se fossem sussurros ao ouvido da eternidade.
A pungente delicadeza do amor
Floresceu na beleza da serena pedra.

Imperador-poeta,
Este é o retrato do teu coração,
O teu novo Meghaduta,
Elevando-se nos ares com maravilhosa e única melodia,
Com versos sem precedentes,
Em direção à invisível planície
Onde a tua amada
E o primeiro raio de sol nascente
E o último suspiro do sol poente
E a incorpórea beleza da flor cameli do luar
E o portão à entrada da linguagem
Que afasta sempre o ansioso olhar do homem
Se misturam.
Esta beleza é o teu mensageiro,
As sentinelas do tempo
Que levam a silenciosa mensagem:
«Eu não te esqueci, meu amor, eu não te esqueci!»

Já te foste embora, Imperador –
O teu império desfez-se como um sonho,
O teu trono também,
Os teus exércitos, cuja marcha
Fazia estremecer a terra,
Hoje não pesam mais do que a poeira levantada pelo
Vento na estrada para Deli.

Os teus cantores já não cantam para ti;
Os teus músicos já não encadeiam as suas melodias
Com o Jumara no colo.
O som das pulseiras nos tornozelos das tuas mulheres
Morreu nos teus palácios:
O céu nocturno lamenta-se
Com o ruído
Dos grilos nos seus cantos esburacados.
Mas o teu incansável e incorruptível mensageiro,
Que despreza a ascensão e a queda da vida e da morte,
Profere
Ao longo das eras
A mesma e contínua mensagem do eterno lamento:
«Eu não te esqueci, meu amor, eu não te esqueci.»


Mentiras! Mentiras! Quem diz que não esqueceste?
Quem diz que não abriste violentamente
O cofre que guarda a memória?
Que mesmo hoje o teu coração se afasta
Da eterna escuridão
Da história?
Que mesmo hoje não se escapou pelo livre caminho
Do esquecimento?

Os túmulos permanecem sempre com o pó da terra:
É a morte
O que cuidadosamente preservam num cofre da memória.
Mas quem pode guardar a vida?
As estrelas reclamam-na: chamam-na para o céu,
Convidam-na para novos mundos, para luz
Das novas auroras.
Ela quebra
O laço da memória e corre
Livremente ao longo dos caminhos universais.
Imperador, nenhum império terreno podia guardar-te:
Nem sequer todo
O mundo natural do retumbante oceano podia ouvir-te.

E assim
Quando a commedia da tua vida ficou completa
Deste um pontapé neste mundo
Como se fosse um cântaro de barro usado.
És maior do que a tua fama: mais e mais dela é atirado
Da carruagem da tua alma
Em plena viagem:
As tuas relíquias jazem aqui, mas tu já te foste embora.
O que não se podia mover nem levar,
O amor que bloqueou a sua própria estrada
Com o seu grande trono
Não podia agarrar-se a ti mais do que o pó do caminho aos teus pés
Apesar da sua íntima doçura -
E assim
O devolveste ao pó atrás de ti,
E a semente da dor,
Soprada pelo sentir do teu coração,
Caiu da grinalda da tua vida.
Viajaste para longe:
A planta imortal cresceu
Dessa semente para encontrar o céu
Fala-nos agora com sombria melodia -
«Olha, apesar da distância,
Aquele viajante que já não está aqui, que já não está aqui,
A sua amada não o guardou,
Os seus reinos libertaram-no,
Nem o ar nem a montanha o podiam prender.
Hoje a sua carruagem
Viaja pelo regato da noite
Para a canção das estrelas
Para o portão da aurora.
Eu continuo aqui com o peso da memória:
Ele está livre de fardos; ele já não está aqui.»


Trad. José Agostinho Baptista

2 Opiniões

Anonymous Anónimo said...

ah, o que a gente não faz por amor ....
um abraço

quinta-feira, 13 outubro, 2005  
Blogger Siddhichandra said...

a bem dizer não foi ele... foram os escravos que ele contratou e esses vieram do Algarve!

Abraço

quinta-feira, 13 outubro, 2005  

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