Salomé
Em primeiro lugar queria pedir desculpa por este sono breve...
Volto hoje a postar sobre Salomé num magnifico poema de Eugénio de Castro que não encontrei nunca na Web.
É singular a forma como nos deslocamos pelo espaço com Salomé e surpreendentes as metáforas que Eugénio de Castro utiliza neste poema! Faz-se neste poema uma imagem de doçura extrema da Salomé, a mesma que, não rendida à impossibilidade de ter S. João Baptista, pede a sua cabeça como prenda de aniversário... numa bandeja!
Convido-vos à leitura!
Salomé
Grácil, curvada sôbre os feixes
De junco verde a que se apoia,
Salomé deita de comer aos peixes,
Que na piscina são relâmpagos de jóia.
Frechas de diamante, em fúrias luminosas,
Todos correm febris, ao cair das migalhas:
São rútilas batalhas
De pedras preciosas…
Como resplende a filha de Heródias,
Do seu jardim entre vermelhas flores!
Corre por tôda ela um suor de pedrarias,
Um murmurar de côres…
Sua faustosa túnica esplendente
É uma tarde de triunfo: em fundo côr de brasas,
Combatem fulvamente
Irradiantes tropéis d’áureos dragões com asas.
E sôbre as jóias, sôbre as llamas, sôbre o oiro,
Tão vivo bate o sol que a princesa franzina,
Ao debruçar-se mais, julga ver um tesoiro
A fulgurar, a arder no fundo da piscina…
Sai do jardim a infanta : o calor a sufoca,
Não pode mais sofrer do sol as ígneas setas…
Com um ramo de jasmins sacode as borboletas
Que lhe poisam na bôca…
Ei-la subindo a escadaria na luz dúbia
Que um velário Tamisa ; ei-la parando
Junto das jaulas, onde estão sonhando,
Como reis presos, os leões da Núbia…
Erguem-se irados os leões, ouvindo passos,
Mas, vendo Salomé, aplacam seu furor
E, em movimentos lassos,
Dão rugidos d’amor!
Fauces escancaradas,
Da túnica os dragões parecem defendê-la…
No entanto, Salomé, divinamente bela,
Pelas grades estende as mãos de prateadas,
Que os leões cheiram, em lânguidos delírios,
Julgando que são lírios…
A infanta vai subindo…
Esvelta e Esguia,
Num gesto musical que espalha mil perfumes,
Do favorito leão a juba acaricia…
E os outros leões rugem d’amor e de ciúmes…
Voan íbis no céu… e, erguendo-se, brilhantes,
Dos lagos onde nadam flor’s do Nilo,
Os repuxos cantantes
Aclamam Salomé que entra no peristilo…
Eugénio de Castro